sábado, 29 de outubro de 2016



Astúrias, Somiedo – Outubro de 2016

A alma e a matéria pediam paz, descanso.  A fartasana da imensidão do quotidiano para ganhar alguns trocados para viver punha-me já a cair aos bocados.
Coloquei-me vários itinerários e depois de ir excluindo ficou só um…Somiedo nas Astúrias, sendo que a primeira escolha…A Palanca um sonho muito desejado mas que o bom senso diz que não o devo fazer só e na indisponibilidade de alguém com experiência e conhecedor me acompanhar adoptei o referido e com a intenção de executar uma rota já traçada…atingir “ El Cornón de Peñarrubia e Penouta”
 Previsão de partida para as quatro da manhã, viatura carregada descobri um problema técnico. Um fusível tinha de ser substituído…coisa simples substituir um fusível de 10 amp…claro nas viaturas de agora é necessário desmontar meio carro para aceder ao mesmo.
Finalmente resolvido arrancamos pouco faltava para as onze da manhã. A viagem fez-se bem com Sol até que chagados a Santa Maria del Puerto (porto de Somiedo) avistamos nevoeiro e na descida para e até Pola de Somiedo foi sempre imenso e denso, não sabia onde estava nem por onde andava sendo a temperatura de sete dez grau centígrados.

Nevoeiro, frio muita humidade. Compramos pão, descarregamos a bagagem e preparada a actividade para o dia a seguir jantamos.



 Saímos para esticar as pernas e conhecer o povoado á noite…não se via ninguém, estava frio, e depois de termos andado cem metros o orvalho começa a molhar mesmo e recolhemos ao apartamento para descansar.






O silencio era profundo, interrompido aqui e ali pelo som das corujas…maravilhoso.
A minha alvorada faz-se sempre cedo para grande irritação da Margarida. Posta a cabeça de fora…estava pior que no dia anterior no que se refere ao nevoeiro. Pola de Somiedo fica no fundo de um vale rodeado de montanhas, a partir da meia encosta nada se via…tristeza pegada. Actividade prevista anulada ficamos todo o dia na povoação. 

















                                         







A meio da manhã quando nos dirigíamos a igreja do Povoado saia de lá uma Senhora que ao ver-nos com a intenção de entrar nos interpelou questionando em Castelhano obviamente…Bom dia vão entrar? Já conhecem a igreja? De onde são? Então eu vos acompanho para vos contar um pouco daquilo que vão encontrar e vão achar estranho e porque…
Foi um momento de uma doçura que só o vivendo…
Vou descrever a Senhora, Ela merece-o.
Não mais de um metro sessenta cinco estatura normal vestida com algum cuidado notava-se, cabelo bem arranjado e asseado uma bengala, botins e por cima da roupa uma capa julgo que feita á mão em lã para aconchegar mais, uma jovem Senhora, isso mesmo uma jovem Senhora, já dentro da Igreja e depois de a escutar durante algum tempo, não sei quanto, o tempo parou enquanto estive com a Maria, Maria assim se chama e quando lhe perguntei, Maria de?, respondeu com a mesma simplicidade do seu nome, Maria, só Maria, meus pais me chamavam só de Maria e não tenho mais outro nome que não seja Maria, por isso podes-me chamar Maria. Senhora não…Maria.
Entrados na Igreja (românica), por dentro não original a Maria começou por acender as luzes e também as do altar, assim chamado.
A Maria tinha tido razão o dito cristo era estranho notava-se ser um vulgo cristo como tantos outros na posição de crucificado, com uma diferença, não tinha braços!
A Maria então referiu, vês? Não tem braços e ficavas intrigado porque não tem braços o cristo.




Disse vamos a beira para veres melhor, e ao passar na frente do altar a Maria fez o gesto de ajoelhar e fez o sinal da cruz, passou olhou para trás para ver o meu gesto que não foi nenhum, passei simplesmente…a Maria nada disse, respeitou a minha postura sem fazer perguntas ou comentários e continuou com toda a normalidade.

Ouvi a Maria num esboço ténue de carvão, sobre a sua vida e o porque do cristo sem braços sendo esta história já com pinceladas de aguarela…
…desde ter ido para Somiedo com seis anos…eram de Madrid os Pais…ter assistido á guerra cívil espanhola….ter visto os oficiais matar os próprios soldados porque estavam feridos e atrasavam a marcha…o marido que trabalhava nos “wagon-lits” e lhe levava uns bolos de que adorava com muita canela, pasteis de Belém…teve um filho…os militares a arrancarem todo o soalho da igreja em pranchas de carvalho grossas e o altar gótico em talha dourada com o cristo, ainda com braços, fazerem uma fogueira que ardeu durante largos dias…isto para transformar a igreja em cavalariça…e quando com pás removiam as cinzas para o rio que ali passa ao lado o cristo não tinha ardido…e como não ardeu mandaram-no assim para o rio…e toda a história até ir novamente para o altar onde se encontra novamente já passados sessenta um anos…passa seis messes em Somiedo e nos meses de frio vai para a casa de Madrid…

Mudando a bobine do filme ou passando á frente o MP4 não fizemos o que tinha alinhavado mas lá andamos, descansando…no tempo em que lá estivemos não ouvi rádio sequer musica, não vi televisão nem vasculhei a net…estado puro.

Somiedo conhecido também por ser um parque natural e ser habitat de ursos…claro que não os vi nem sequer tentei saber nada sobre eles…mas chegado de novo a Portugal e ligada a televisão só se vêm ursos….desculpem…saiu.
Deixo aqui algumas fotos para que respirem um pouco de tranquilidade/paz, mas sem vos deixar de dizer que a Maria uma mulher com paz interior culta a quem eu pedi para fazer uma “sefie” a minha primeira, eu a Maria e a Margarida, acedeu prontamente com um sorriso luminoso e enorme gratidão…no “smartephone” quando aparecemos no ecrã todos sorridentes…clik….clik uma ova no final do dia quando peço á Margarida para me deixar ver as fotos do seu telefone a selfie não estava lá…é o que faz quem não percebe nada da coisa…Por isso não há foto
Deseja-mos voltar a ver a Maria…
Deseja-mos voltar a Somiedo…Primavera talvez…

Li um texto  que encaixa perfeitamente aqui:

"Tudo que fizeres, faz com a alma. Quando falares, cuida das palavras. Quando escreveres, regista com amor teus pensamentos para serem eternizados. Quando ouvires alguém, assegura ouvir a alma de quem te oferece seus sentimentos. Quando tocares em alguém, saibas que tocas o Sagrado."

A Maria é uma Senhora com noventa e um anos (91).

…e vemo-nos ai por esses caminhos…


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